imagem: Jia Lu, Illuminated

"EM CADA CORAÇÃO HÁ UMA JANELA PARA OUTROS CORAÇÕES.ELES NÃO ESTÃO SEPARADOS,COMO DOIS CORPOS;MAS,ASSIM COMO DUAS LÂMPADAS QUE NÃO ESTÃO JUNTAS,SUA LUZ SE UNE NUM SÓ FEIXE."

(Jalaluddin Rumi)

A MULHER DESPERTADA PARA SUA DEUSA INTERIOR,CAMINHA SERENAMENTE ENTRE A DOR E AS VERDADES DA ALMA,CONSCIENTE DA META ESTABELECIDA E DA PLENITUDE A SER ALCANÇADA.

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terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A DEPENDÊNCIA MATERIAL DAS MULHERES




Renda básica universal é direito a escolher própria forma de vida

A concepção republicana de liberdade é muito exigente. Liberdade e igualdade são dois fatores indissociáveis. Hoje, grandes fortunas convivem com milhões de miseráveis. As desigualdades sociais são causa da falta de liberdade para milhões de pessoas. A proposta de uma renda básica universal não se reduz à invocação de um direito humano a uma subsistência mínima. Ela se baseia numa concepção de justiça que assegure a cada pessoa não apenas a possibilidade de consumir, mas também de escolher sua forma de vida. A análise é de Daniel Raventós.

Daniel Raventós - Sin Permiso


A dependência material das mulheres

Em primeiro lugar, vou me referir a este grande e heterogêneo grupo que formam as mulheres. Seria um insulto à inteligência do leitor ou da leitora deter-me, ainda que brevemente, na evidência de que todas as mulheres não se encontram na mesma situação social. Mas tampouco parece muito discutível a afirmação de que uma renda básica conferiria a esse grande e heterogêneo grupo de vulnerabilidade social que formam as mulheres uma independência econômica de que atualmente não dispõem. Mesmo que a renda básica, por definição, seja independente da contribuição em trabalho que se possa realizar, creio que é necessário assinalar aqui que, em que pese não recebam qualquer remuneração monetária em troca, a maior parte das mulheres trabalha. Assim como se apontou, o trabalho remunerado no mercado constitui somente um dos tipos de trabalho existentes. Mas não é o único; como já se disse, há que se acrescer o doméstico e o voluntário.

Apresento a seguir algumas das razões que avalizam, de modo republicano, a renda básica em relação às mulheres.

a) Em primeiro lugar, cabe assinalar que a renda básica dá uma resposta contundente à necessidade de que a política social se adapte às mudanças nos modos de convivência, em especial ao incremento das famílias monoparentais encabeçadas por mulheres.

b) Em segundo lugar, ao constituir uma renda individual, a renda básica melhoraria a situação econômica de muitas mulheres casadas ou que vivem em união estável, sobretudo aquelas que se encontram nos extratos mais empobrecidos da sociedade. Efetivamente, boa parte dos subsídios condicionados existentes têm como unidade de atribuição a família.

Normalmente, quem recebe e administra é chefe de família – os homens, majoritariamente – de forma que se privam as pessoas que ocupam a posição mais débil – as mulheres, majoritariamente – do acesso e do controle dessas receitas. Nas palavras de Carole Paterman: “Uma renda básica é importante para o feminismo e a democratização precisamente porque é paga não aos lares, mas aos indivíduos como cidadãos.”(10)

c) Em terceiro lugar, a independência econômica que a renda básica possibilita pode fazer dela um tipo de “contrapoder” doméstico capaz de modificar as relações de dominação entre sexos e de incrementar a força de negociação de muitas mulheres dentro dos lares, especialmente daquelas que dependem do marido ou que recebem muito menos que eles, por estarem empregadas de modo descontínuo e em tempo parcial.

d) Em quarto lugar, como muitas autoras e alguns autores vêm mostrando ao longo das últimas décadas, o sistema de seguridade social dos países ricos foi erguido com base no assentimento de que as mulheres eram econômico-dependentes de seus maridos. Isso implicava que os benefícios obtidos da seguridade social eram contribuições de seus maridos, não de sua condição de cidadãs. Num contexto de crescente questionamento do estereótipo male breadwinner, não é capricho supor que as escolhas sobre o trabalho doméstico poderiam ser tomadas de um modo muito mais consensualizado do que o são majoritariamente hoje.

Porém, junto a esses quatro pontos, pode se fazer uma reflexão de maior envergadura sobre o papel da renda básica para favorecer, desde um ponto de vista republicano, a existência material das mulheres. Esta reflexão tem sido sugerida pela já mencionada Carole Paterman.

Resumidamente, pode ser exposta da seguinte maneira: muitos problemas relacionados à questão da reciprocidade na filosofia política dos últimos anos têm referência unicamente nas atividades diretamente vinculadas ao trabalho remunerado. Viola-se a reciprocidade quando uma pessoa recebe uma renda incondicional, a renda básica no nosso caso, inclusive quando essa pessoa está em perfeitas condições para trabalhar remuneradamente, e simplesmente não quer fazê-lo, incorrendo clamorosamente numa situação de parasita. Paterman opina que está é uma forma muito limitada de analisar o problema ao se focar apenas no trabalho com remuneração. Resta ignorado, em troca, o problema da reciprocidade que se produz num tipo de trabalho não-remunerado, mas muito mais amplo, majoritariamente desempenhado pelas mulheres: o doméstico.

E isto, no meu entendimento, está ligado a um problema de muito maior envergadura que é motivo de atenção por parte do republicanismo democrático: a situação de dependência em que, historicamente, inclusive depois da abolição das leis do Antigo Regime, as mulheres têm estado sujeitas aos homens. Vou me valer de um caso histórico para tornar mais rápida a exposição do ponto exato onde quero chegar. Em 1792, Robespierre aboliu a distinção entre cidadãos ativos e passivos, quer dizer, entre os cidadãos que podiam ter direito a voto e os que não – tal distinção se estabelecia em função da quantidade de impostos que os indivíduos podiam pagar.

Dito de outro modo, cidadão ativo era aquele que tinha determinado nível de riqueza, enquanto que cidadão passivo era aquele que não chegava a esse nível. Tudo isso, obviamente, referido aos homens. As mulheres permaneciam patriarcalmente excluídas, dada a sua condição de sujeitos dependentes dos homens. Aqui é onde entra em cena a preocupação de Paterman reproduzida um pouco mais acima. A renda básica, por seu caráter universal de cidadania (ou residência acreditada, como se dizia explicitamente na definição), não se dirige nem a lares nem a pessoas com características específicas (ser homens, por exemplo). Por essa razão, a renda básica pode ser um meio eficaz para assegurar a base autônoma de uma parte importante de mulheres que, atualmente, dependem para sua existência material de seus maridos ou amantes.

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15430

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